Em toda a redoma de criação literária, artística plástica, arquitetônica, fotográfica, cinematográfica e outras formas de arte pensadas e "des-pensadas" pelo ser humano, poucas perguntas são tão repetidas e refletidas quanto essa: "o que é arte?".
Vendo-nos na posição de seres do início do século XXI, com uma enxurrada de informações, acabamos por ficar desleixados com o fato de que algumas pessoas pré determinaram o conceito de arte: aquilo que se vê em museus, por exemplo, é, inquestionavelmente, arte. E nisso perdemos a própria esperança na arte, pois sabemos que "Mona Lisa" ou "La Gioconda" é arte, mas não temos nenhuma expectativa de qual o futuro da arte ou sequer questionamos a própria essência das coisas.
É como se perguntássemos: "o que é a vida?". Certamente, balbuciamos alguma resposta, talvez uma que seja até intrigante, mas sabemos que ficaremos "inconclusos" nesse tópico e permitiremos que pensamentos alheios (desde a biologia à filosofia) operem. O que talvez tenhamos de lembrar a cada momento ao pensar sobre arte é que ela é vida. Para o filósofo da Grécia Antiga Platão, a nossa vida se resume a sermos a cópia da cópia de uma ideia "perfeita". Mas por que elaborar um questionamento filosófico num texto que busca no dadaísmo uma parte do quebra-cabeça gigantesco de "o que é arte?".
Vamos adentrar num certo parêntese, construindo a narrativa de uma das obras mais impactantes da arte nos últimos tempos: a obra "Fonte", originalmente "The Fountain", de Marcel Duchamp, mais conhecida por simplesmente ser um mictório com a grafia "R. Mutt" e o ano de criação "1917". Em caráter de produção, a criação da obra é muito simples, pois Duchamp comprou um mictório diretamente de uma fábrica de encanamentos, assinou o mictório e o colocou em exibição, afirmando intensamente que aquilo era arte.
Só para não atordoar a linha temporal aqui, vale ressaltar que Ducamp proclamou a existência da "Fonte", provocando tamanho alvoroço, mas a própria fonte como artefato de exibição só veio a galerias anos após a criação (e destruição) da fonte inicial. Se 107 anos depois da criação da exibição, analistas ainda acusam Duchamp de ser um charlatão que destruiu a beleza da arte, imaginemos o quão revolucionário, ou condenável, aquele ato seria àquela época. Pessoalmente (mas obviamente meu pensamento é totalmente influenciado por opiniões e teses alheias), eu vejo que tal ato de Duchamp é a origem do pensamento do que se conhece por "conceitualismo". O que entraria em discussão, a partir de agora, não seria mais o traço da pintura, as sombras da figura representada ou as cores utilizadas. Estamos todos a discutir ideias.
Voltando à nossa pergunta inicial, poderíamos "solucioná-la" facilmente por definições existentes desde o século XII. Num dicionário elaborado pela Universidade de Oxford, em meados do século XII, a arte era definida como "habilidade para fazer qualquer coisa como resultado de prática e conhecimento". Mais complexados, os dicionários, bem menos utilizados nos dias atuais em decorrência da Internet, definem que: "1. arte é a capacidade criadora do ser humano de que resultam grandes obras; 2. atividade criadora e/ou seu produto; 3. o conjunto de obras de arte de um povo, país, época, etc". Isso nos leva a uma relação histórica bastante interessante, pois aquela delimitação medieval de arte faria alguém que produz grandes obras, por exemplo, nada mais que um artesão. Apenas no período do Renascimento Cultural, diversos aspectos culturais, históricos, geográficos, etc, transformarão os anônimos artesãos em artistas a serem reconhecidos individualmente, buscando intelectualmente um significado específico com a sua obra.
Da renascença à frente, devido à efervescência de criação cultural, dezenas de teóricos passaram a desenvolver teses do que seria a arte, como os famosos Immanuel Kant e Charles Batteux, quase todos associando a arte ao belo. Entretanto, da segunda metade para o final do século XIX, surge a fotografia, e põe em cheque tamanho essa relação de arte e perfeição, pois agora o ser humano havia contemplado outra forma (e mais fidedigna ainda) de capturar a perfeição da natureza. Isso naturalmente criou um forte impacto e ruptura na recepção do que seria criado. Coisas que antes eram "revolucionárias demais", como Arte Nouveau, Fauvismo e Impressionismo tiveram luz. Mas por que se importar estritamente com as imposições de arte, se quem faz arte é o povo? É nesse processo que emerge o dadaísmo. 'Dadá', por si só, já explica muito sobre o movimento, pois pode significar muito e, ao mesmo tempo, nada.
"O ato criativo não é performado pelo artista sozinho. O espectador traz àquele trabalho uma conexão com o mundo real, decifrando e interpretando a própria qualificação da coisa. E, por isso, performa o ser criativo". As palavras de Duchamp traduzem o nosso exato pensamento e existir. Ao olhar para um bidê numa galeria enquanto espectador, somos imediatamente conduzidos para a pergunta: "O que é arte?". Talvez, ao fim desse texto, você conclua que a resposta para tal situação esteja na própria pergunta.1
Nota: É interessante que, vendo esse texto depois de finalizado, ele pode ser inserido como argumento na discussão se a Inteligência Artificial é capaz ou não de produzir arte. O objetivo, agora, não é me posicionar diretamente quanto a esse tema, mas como discussão é muito vasta, tenho certeza que ela será retomada em diversos momentos aqui
amei o tema do texto, particularmente gosto muito de Duchamp e suas provocações ao que é considerado arte :)
a arte é viva e mutante assim como os humanos que a produzem, que ela traga as críticas e expressões que couberem ao momento histórico-social em que é produzida ❤️
Para os artistas, é um conceito que apenas eles mesmos tem acesso como forma de emular uma pseudo elite ou talvez uma antielite. Uma última redoma conceitual concedida a uma classe esquecida e marginal. Mais isso é só na visão dos artistas, o resto do mundo se sente com tanto acesso e direto à definição do que é arte quanto os artistas, talvez por ser a profissão com a menor barreira de entrada da atualidade, todo mundo se sente um artista, e quem vai dizer que não é?